terça-feira, 29 de novembro de 2011
Naquele dia
Se não tivesse saído de casa naquele dia
Se não tivesse cruzado a cidade
Não vencesse a preguiça, a tristeza, o apego à solidão
Se, desatento, não percebesse as luzes, as lanternas, os caminhos...
Se fosse eu mesmo e não me dispusesse a sair
Fosse negligente aos impulsos, ignorasse o chamado
Ah! Se não fosse...
Não teria te encontrado, não teria te conhecido, não saberia de você
Não teria sonhado, nem escrito, nem cantado
Não seria quem sou.
Estaria detido, como uma carro alienado
Que não se negocia.
Seria, se não, sombra do que hoje sou
Porque encontrei vida nos seus olhos
Simplesmente vida.
Mas, felizmente saí, me venci, te encontrei,
Escrevi e cantei (descontraidamente)
Fiz de você minha musa, minha inspiração, meu repouso
Minha certeza absoluta, a “Beatrix”, que Dante jamais sonhou
Te escolhi e te escrevi, por você e por mim
E enquanto a vida me conceder continuarei te escrevendo
Cantando o teu nome...baixinho..para que ninguém escute
Não é preciso que saibam, a mim basta que você saiba
E protegerei teu nome como preciosa lembrança
Para que nunca escape de mim...
e , se algum dia teu nome me escapar
que seja por pouco tempo
e rapidamente o guardo de volta
para que um dia, como aquele dia
possa, talvez, dizê-lo ( baixinho) outra vez olhando pra você
como naquele dia.
L.
Passagem
Passaste por mim como uma eletricidade
Afiada, cortante, inesperadamente;
Por entre os labirintos de fósseis e as cruzes
Pelos alicerces e pelas estruturas metálicas
Passaste com fúria, rachando os pisos,
causando levantamentos geológicos
desorganizando, colocando tudo pelo avesso (enviesando)
E hoje, olho os fragmentos e os cacos que antes fui
Olho-os como se fossem estrangeiros a mim
Olho-os e não me reconheço ali
Olho-os com desconforto
Quem dera que aqueles pequenos “eus” que ali estão
Pudessem ser varridos para debaixo do tapete
Quem dera o “eu” pudesse ser esse novo que surgiu
Que depois de sua passagem abotoou uma nova roupa a saiu decidido pelo mundo
Esse novo é mais sincero, é mais sereno
Esse nasceu daquela passagem, daquela ventania, daquele terremoto
É esse que vou regando, vou alimentando, cuidadosamente
Esse, que sem a sua passagem seria ainda aquele
Que deixei enterrado no caminho.
Para L.
O meu motivo
Já tarde escrevi os meus versos
Faltavam-me motivos, vontade, desejo
Só agora encontrei o motivo, a vontade, o desejo
Sim, o singular motivo dos meus versos
E em cima desse sonho edificarei minhas palavras
Numa arquitetura sublime e única...
Nesse motivo desenharei e construirei meus castelos, meus templos
Decorarei, então, com luzes, pedestais e ornamentos felizes
Para que então o meu motivo entre e se sinta à vontade, se sinta especial como eu o sinto
E permanecerei zeloso na porta do templo,
para que mácula nenhuma venha manchá-lo
e falarei dele com carinho, tanto e de tal modo
que encontrarei descrença na face de quem ouve
e quando enfim, eu já for mudo
quando o tempo me alcançar, na inevitável na angústia de quem vive
o meu templo, o meu castelo, continuará ainda vivo
nos meus versos tardios, na minha voz gravada
vivo e mantendo vivo o meu motivo
motivo dos versos, motivo da vida.
L.