sábado, 4 de fevereiro de 2012

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fico quieto quando te vejo,
mudo e desconsertado
seguro a ansiedade pelos cabelos
e tapo minha boca inconsequente


sinto-me ausente quando te vejo
pois não me reconheço nas minhas atitudes
de tão diverso de mim sou como outro
que rasga em pedaços o que de mim sobrou


sinto saudades se não te vejo
por segundos que sejam


fosse o espaço e o tempo domináveis
frente ao sentimento que nos domina
subjugado pelos desejos e anseios terrenos
faria deles meus modelos justos.


fossem as horas todas desviadas do seu curso
e os ponteiros dos relógios seguissem as ordens dos afetos
faria delas minhas cúmplices fiéis, faria dele meu escudo largo.


mas fico quieto quando te vejo 
e escrevo,pouco depois do nosso encontro
onde coloco ponto a ponto
todas as palavras que não te disse.
















terça-feira, 24 de janeiro de 2012


O meu sorriso é negociável,
A pele com febre, o suor, as lágrimas,
As modificações do dia a dia.
Sinto saudades do meu livre arbítrio,
Das minhas aspirações futuras,
Dos meus segredos mais secretos,
Da minha inconstância juvenil.
Eu sou hoje previsível como o trem de Londres,
Sou cotidiano e facilmente decifrável,
Já vai muito longe os meus impulsos desconhecidos,
Estou hoje domesticado,
E minhas mãos já não têm coragem de segurar as barras de ferro.
Há algo em mim que ainda se rebela num esforço inútil,
Olho-o de lado com indiferença, passo de largo por ele.
O que resta ainda de genuíno em mim?
Talvez uma fotografia antiga, uma lembrança, uma música,
Um pedaço de roupa achado por trás do sofá da sala.
Me deixei de lado, segui um modelo ( o primeiro que apareceu),
E tantas coisas minhas foram curadas com o tempo, ajustadas, lapidadas,
Torcidas e amassadas para caberem no ideal de conduta, que fica difícil me reconhecer nesse de agora.
Passam agora por mim tantas pessoas, carregam nas costas suas juventudes...são livres,
Carregam seus sonhos nas mãos; passam apressadas por mim no meu caminho de volta.




sábado, 21 de janeiro de 2012


Ano, novo

Agora, que esperei que algo estranho pudesse acontecer,
Não sei, qualquer coisa, como um sol avermelhado ou um dia mais curto,
As coisas, insistentemente continuam normais.
Agora, que tirei a máscara, e vi o sangue descer pelo rosto,
 O mundo se apresenta com sua lucidez absoluta,
Tudo é inexplicavelmente normal e quotidiano.
Não há novidades, o chão não cede quando pisamos com mais força,
É tudo sólido, rígido.
Agora, que a saudade é uma palavra sem sentido que ficou cravada
Na pedra lisa das minhas angústias; o tempo não se apressa, e me fala com essa linguagem particular que cada um possui.
Nasci de novo para o mesmo mundo meu, e a luz me cega, e o meu choro é com razão.
Sento-me num banco qualquer e olho distraidamente entre os dedos, os fragmentos de vida vivida e o troco que ainda me resta viver; conto cada nota e cada moeda,
com um estalo nos lábios e um suspiro profundo de quem pouco que há.
Vou caminhar um pouco e esperar que os passos vão exercendo a função de borrachas,
Apagando incessantemente as constatações de todo dia e a lembrança dos tormentos.
Agora, o novo é ilusão de adolescência, é pedra jogada no espaço sem fundo; o novo
é cada gota de passado que foi caindo no caminho.
Ainda assim, vejo vir esse novo, mesmo que por dentro seja o mesmo velho com roupas de novo, deixo-me enganar.
Rasgo-me por completo, em vã tentativa de renovação; para ver de dentro sair um como o outro de antes, sonhador, ingênuo, errante.






quarta-feira, 18 de janeiro de 2012


A luz e a consciência

O sol que me cega, o farol vermelho que me barra,
Os reflexos nos espelhos ( meus olhos, meus olhos, meus olhos).
Espiões que me perseguem.
Nos retratos, no passado, na consciência.
As luzes das lanternas, a luz do farol, distante, vigilante,
Investiga o horizonte.
A luz no fim do túnel é intocável, o fundo da resposta imprevisível,
Os ossos doloridos da jornada, a frente dos meus braços o indistinguível.
Foge de mim luz bruxuleante,
Deixa-me no deserto só comigo,
Deixa-me longe em meu abrigo
Escura consciência flutuante.

domingo, 8 de janeiro de 2012


Reflexão

Eu, que já exerci tantas funções nessa vida,
já cumpri tantos papéis e  segui tantos conselhos( na sua maioria inúteis);
Já fui vilão tantas vezes, tantas vezes fui tolo e feito de tolo por mim e pelos outros,
Fui pequeno diante das coisas, fui ingrato, indiferente a tantos problemas que me batiam na porta.
Eu já caluniei e xinguei mentalmente alguém que nem conhecia; fui chato ao limite,
Fiz promessas que sabia que não cumpriria, não cumpri horários, menti e fiz cenas por tão poucas coisas que hoje sinto vergonha quando me lembro.
Fugi de companhias indesejadas na rua virando o rosto para o outro lado; quantas vezes ouvi baterem à porta e fiquei calado?
Tudo isso eu fiz em pouco tempo de vida, tudo isso.
Sim, verdadeiramente fui humano, humano com as características de um humano comum; sim sempre fui um tipo comum, com aspirações gigantescas, imensas, com ideias de gênios a me circular a cabeça e os ouvidos como mosquitos, mas, sem nunca sentarem em mim.
E agora, que me suponho na metade da vida, que farei na próxima metade?
Deixarei essa reflexão pela metade, para quando chegar onde suponha que seja a próxima parte e então, talvez diga que fiz todas as mesmas coisas, ou não, mas vou dizê-las mesmo assim.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012



Hoje eu vou cortar com raiva os nós, as amarras e as fitas que me prendem.
Hoje sou todo reverso, sou todo rebelde, sou todo criança.
Pulo o muro, corro sem direção, braços abertos.
Hoje não quero repressão, serei eu mesmo, sem cortes e sem censura,
Verei o dia com nitidez absoluta, sem as lentes que borram tudo,
Os compromissos? Faço deles bolas de couro e as chutarei nas vidraças.
Hoje não quero nada demais, não, nada demais, só quero ser livre, nada mais;
Quero sair sorrindo e voltar sorrindo, se surgirem problemas, coloco-os no bolso e só me ocuparei deles amanhã, hoje não.
Hoje é meu carnaval solitário, meu natal e meu ano novo,
Mastigarei até que fique sem gosto a felicidade, e deitarei meu cansaço em cima da alegria.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Eu quero os exageros das palavras emotivas,
das cores vibrantes dos finais de tarde,
eu quero ser totalidade, sem prumo, sem rumo, sem pesos.
eu quero o sorriso dos sonhos impossíveis, dos desejos reprimidos,
das falsas esperanças.
eu quero viver os arrependimentos das ações impensadas,
quero as pernas cansadas de andar sem direção.
quero também as alegrias das lembranças, os olhos com esperanças,
nos horizontes futuros.
quero ser muro para me escalar, quero ser nuvem,
ser mar e tomar todas as formas.
quero o nascer de cada dia, a ponte, a seta, a melodia.
quero ser o aperto de mão da certeza e os dedos cruzados do talvez,
quero a saudade dos defeitos sanados, dos retratos desbotados,
do passado presente.
quero ser tanto e tudo e muito,
quero liberdade, independência e solidão,
quero as reticencias das palavras incertas, das primeiras descobertas,
do entusiasmo no espanto.
ser pleno e amplo, ser centro e canto,
ser força motriz.
quero ser tudo isso e tantas outras coisas,
quero ser essas coisas e muito mais,
Desconfio das certezas, quero ser todo incerteza,
quero ser o que não se faz.





terça-feira, 3 de janeiro de 2012


Orfeu e Eurídice

O amor pisou, sumiu e deixou tristezas,
Mas ele não se conformou, cantou, tocou e desceu no escuro,
Foi buscar o seu amor.
Sua música, sua poesia comoveu os juízes, que eles concederam e permitiram.
No entanto, impuseram condição sine qua non: “nunca olhe para trás”.
Os dois caminhavam assim, ele na frente, e ela atrás acompanhava.
Mas, dúvida terrível se apoderou dele: E se tivessem o enganado os juízes?
E se ela não estivesse ali?
Voltando-se assim, viu os olhos do seu amor que sumindo numa sombra,
Sumiu pela última vez.


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012


Lembro, que quando criança perseguia as borboletas em seu voos oscilantes,
Corri atrás das luzes efêmeras dos vagalumes,
Em vão contei estrelas...
Já me despedi de tantos costumes de infante
Mas, quantos ainda estão comigo?
Já não pego na mão de minha mãe para atravessar as ruas,
Mas, quantas coisas ainda atravesso e que seguro aquela mão invisível?
Quantas borboletas de nuvens eu ainda persigo.
Tantas nuvens ainda eu dou forma mentalmente.
Aquela criança que me persegue, tapa os meus olhos com o pano da ilusão.
Piso ainda tantas vezes em meus passos, cada vez mudando de tamanho.
Corri atrás de vagalumes (meus sonhos),
Hoje corro atrás de sonhos (meus vagalumes),
Dupla e permanente vida, a de antes e a de hoje, inseparável vida.
Acha-me ainda com o sorriso ingênuo das coisas frívolas e pequeninas,
Acha-me ainda com o rosto sério, das coisas sérias e pequeninas.